Lula fala em diálogo em 1º lugar em mundo de conflitos, e Xi defende 'verdadeiro multilateralismo'
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quarta-feira (20), durante visita do líder da China, Xi Jinping, que os dois países colocam diálogo em primeiro lugar num mundo de conflitos.
O dirigente chinês, por sua vez, defendeu "verdadeiro multilateralismo" e disse que Brasil e China vão estar juntos na busca de desenvolvimento, ao invés de confrontação e hegemonia.
As declarações foram feitas durante pronunciamento à imprensa no Palácio da Alvorada, após assinatura de acordos.
"Em mundo de conflitos armados e tensões geopolíticas, China e Brasil colocam a paz, a diplomacia e o diálogo em primeiro lugar", disse Lula.
Em seguida, Xi Jinping afirmou: "A China está disposta a trabalhar com o Brasil para substanciar constantemente a comunidade de futuro compartilhado China-Brasil e defender firmemente o verdadeiro multilateralismo. Juntos vamos emitir a voz alta da nova era de buscar desenvolvimento, cooperação e justiça, em vez de pobreza, confrontação e hegemonia, e vamos construir um mundo melhor".
Em sua fala, Xi também afirmou que o mundo está "longe de ser tranquilo" e destacou comércio entre os dois.
Lula, por sua vez, destacou sobretudo a relações de comércio, e disse que a parceria "excederá expectativas".
Como a Folha de S.Paulo adiantou, apesar das pressões chinesas nos últimos meses, o governo brasileiro não declarou adesão formal à Nova Rota da Seda -guarda-chuva de projetos de investimentos chineses.
Apesar disso, os dois líderes assinaram uma série de acordos, ressaltando, como as duas partes vinham dizendo em declarações sobre o assunto, "sinergias das estratégias de desenvolvimento" dos dois países -incluindo a Nova Rota da Seda, pelo lado chinês, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) brasileiro.
Foram assinados 37 documentos, que tratam da abertura de mercado para produtos agrícolas, intercâmbio educacional, cooperação tecnológica, comércio e investimentos, infraestrutura, indústria energia, mineração, finanças, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde e cultura.
O ingresso brasileiro formal na Nova Rota da Seda seria uma sinalização política negativa aos Estados Unidos, rival geopolítico da China e que terá na Casa Branca a partir de janeiro Donald Trump, favorável a sanções e tarifas para isolar Pequim do mercado global.
"Estou confiante que a parceria que o presidente Xi e eu firmamos hoje excederá expectativas e reverberá o caminho para uma nova etapa do relacionamento bilateral", completou.
Os dois líderes falaram a respeito de conflitos mundiais. Xi afirmou que vinha enfatizando que "não existe solução simples para assuntos complexos" ao falar sobre Ucrânia. Ele afirmou que China e Brasil tinham entendimentos comuns sobre uma solução política para o conflito.
O líder chinês mencionou ainda a guerra na Faixa de Gaza, dizendo que se preocupa com a situação na região e que a comunidade internacional precisa se empenhar mais para solucionar o conflito. "Para resolver a crise atual é preciso focar na Palestina, que é a causa raiz", disse Xi, citando a solução de dois Estados para a região.
A questão é cara ao presidente Lula, que tem defendido um cessar-fogo na Faixa de Gaza e entrou em rota de colisão com Israel desde o início do conflito, inclusive sendo declarado "persona non grata"no país. O brasileiro, no entanto, não mencionou a situação no Oriente Médio durante sua declaração.
Xi terá ainda um jantar em sua homenagem no Palácio do Itamaraty, no fim do dia, com convidados do governo, empresários e representantes da sociedade civil.
A recepção no Alvorada é incomum, e segundo integrantes do governo, o evento ocorreu no local a pedido dos chineses. O palácio é de mais difícil acesso, distante de outros prédios e com hotel do chinês a cerca de 1km. A visita de Xi Jinping, que chegou do Rio de Janeiro a Brasília na véspera, envolveu questões de segurança como reservar o hotel inteiro para sua delegação.
O aprofundamento das relações com a China, por outro lado, abre mais espaço para investimentos e comércio com o país asiático, enquanto Trump prometeu, durante a campanha, impor tarifas a produtos importados mesmo de aliados.
O anúncio da entrada do Brasil no projeto chinês de investimentos é há anos uma demanda da China que permeou a discussão de acordos entre os países e dividiu o governo brasileiro.
Integrantes do governo que acompanharam as negociações disseram que, no saldo geral, não seria positivo para o Brasil aderir à iniciativa, que hoje tem poucos países de peso. Além disso, nas mais recentes rodadas de conversa entre os dois países, os chineses teriam demonstrado que não seria mais tão vital a adesão à proposta, mas sim parcerias em investimentos de diferentes frentes.
Há uma avaliação na diplomacia brasileira de que o Brasil não precisa necessariamente aderir ao projeto para acessar investimentos chineses, dada sua posição como maior país latino-americano e grande exportador principalmente de alimentos para a China —que pressiona para que Brasília declare entrada no projeto.
A pressão, mas em sentido oposto à de Pequim, vem também do outro lado do contencioso geopolítico. No final de outubro, Katherine Tai, representante de Comércio dos EUA, afirmou em evento em São Paulo que o Brasil deveria pesar os riscos de aderir à iniciativa chinesa, mencionando questões de soberania nacional.